SOMBRAS SOMENTE

07 maio, 2008
  OS AUXILIARES NEGROS

Pela janela da sala ele observava a pista de corridas do Ginásio defronte ao prédio que agora, na madrugada, iluminado parcamente pelo luar, mal dava para divisar as linhas que separam os atletas e, no entanto, parecia ver corpos se movimentando. Mas estava bastante pensativo para se ater ao que logo concluiu ser reflexos ou sombras das nuvens e continuou soltando baforadas do cigarro que chegava ao fim.
Buscava nesse momento nova pujança para recompensá-la, certo de que ela não estava satisfeita devido à rapidez do primeiro enlace e culpa da eterna ejaculação precoce.
Era quase sempre assim. Havia um espaço, como um interlúdio, entre uma relação e outra, onde ele adquiria novas forças e ela se asseava da anterior.
Foi quando viu os negros - quatro talvez - e como eles pareciam se dirigir à cozinha, apressou-se em segui-los jogando o toco do fumo janela abaixo.
Nada encontrou, no entanto, salvo um rápido espectro escuro e esguio que parecia escapar pelo basculante. Abriu, então, a geladeira e sorveu alguns goles d’água direto da jarra, sem muita demora, pois ela já devia estar novamente pronta.
Entrando no quarto encontrou-a jogada de bruços sobre a cama, desnuda inconteste por uma pequena calcinha com detalhes floris que relutava em se impor às fartas nádegas.
Subindo no colchão divorciou as gélidas coxas e se ajoelhou entre elas iniciando uma suave carícia pelos montes gêmeos.
Os negros reapareceram.
Ainda que mal os visse - sombras quase imperceptíveis - percebeu ser mesmo um quarteto.
Pareciam se massagear erguendo, ainda que em pé, alternadamente as pernas um ao outro.
Não se deteve, contudo, e voltando a atenção a ela, que começava o movimento suave, pendular e indicativo das ancas, tirou a bermuda e abaixou-lhe metade coxas a calcinha.
Os negros, já um pouco mais visíveis, retiraram os casacos e se exibiram de calção e camiseta.
Apalpou-lhe por baixo a vagina úmida sustentando com a outra mão o membro endurecido.
Um deles se agachou com uma das mãos ao solo segurando na outra um bastão longo e rígido.
E um surdo barulho de estopim o fez entrar de forma inteira e brusca fazendo-a engolir um gemido contido.
Ainda que incômodo, o espanto serviu para que vislumbrasse o outro momento.
Era o tiro de largada.
Berlim 1936.
As olimpíadas do Terceiro Reich.
Estádio das provas de atletismo.
Revezamento 4 x 100.
Os ‘auxiliares negros’ da equipe americana. Assim denominados pela imprensa alemã.
Jesse Owens e companhia.
Uma grande massa espectadora levanta eufórica na partida dos competidores.
Hitler não está na tribuna de honra.
Talvez Goebbles ou Carl Diem.
Os atletas italianos tomam a dianteira.
A representação americana vem em segundo mantendo um bom ritmo.
Ele sustenta um equilíbrio no vai e vem por dentro dela.
O ritmo é tão bem equilibrado que por nenhum segundo a desatenta.
Oitenta metros já se foram.
Cornelius Johnson é o segundo.
O bastão ganha outra mão.
Ainda mais veloz fica a competição.
No quarto grita toda a multidão.
Mais frenética se faz a penetração.
E por enquanto nada de ejaculação.
“Ai, que bom”, geme ela então.
Contorcida busca melhor posição.
Empina toda a traseira.
E cento e setenta metros já se vão.
Os negros tomaram a dianteira.
Os nazistas temendo pela competição.
Ralph Metcalfe corre por terceiro.
Ela sente que o recebe inteiro.
Roda de moinho em toda força.
Cavalgada desenfreada.
Corpos agitados e suados.
Lençóis esparramados.
O prazer que não para.
O tempo que não para.
Jesse Owens se prepara.
É o último do revezamento.
Cospe na mão para pegar o bastão.
Ele a cospe no ânus para outra introdução.
Ela é toda agitação.
Jesse Owens dispara.
No travesseiro ela se ampara.
Cavalgada desembestada.
Gozar sendo sodomizada.
A vitória já é anunciada.
Vinte metros finais.
Cavalgada incontrolada.
Mais firme a faz socada.
Ainda mais firme. Mais e mais.
Os corpos que gemem.
Gemidos, suor e sêmen.
Cavalgada desvairada.
E Owens explode pela linha de chegada.
E rompe o infinito momento da gozada.
Cavalgada terminada.
Abandonando o corpo ainda tomado pelo espasmo, ele o deixa cair no suporte de espumas, ainda atento aos negros que parecem se confraternizar e vão ficando menos visíveis.
Logo seriam sombras novamente e abandonariam o quarto de ares saturados.
_ Puxa! Hoje você merece uma medalha. _ ela elogia satisfeita e festeira.
Sem nada escutar e tanto atordoado, ele levanta-se na esperança de ainda se ter com os vultos em outro ambiente, talvez.
Nada na cozinha.
Nada na sala.
Indo à janela avista-os no Ginásio defronte ao prédio.
Parecem subir a um ‘podium’, mas logo se esvaem totalmente.
“Será que ele conseguiu se livrar dessa joça de gozar logo?”, ela se indaga esperançosa.
Sem nada mais por ver, ele fecha a janela com certa reverência e gratidão por esses estranhos ‘auxiliares negros’.

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NOTA DO AUTOR:Senti que era preciso reduzir pela metade esse conto de sua forma original já que (creio) visitantes de blogs esperam leituras rápidas. Espero, todavia, não ter perdido a idéia principal da composição que era testar uma escrita de parágrafos curtos com uma certa cadência imposta através de sufixos semelhantes sem, contudo, tomar aparência de versificação. Na poesia as rimas devem se apresentar de forma graciosa como num desfile. Nesse ensaio tento expô-las marchando rudemente. Não sei se o objetivo foi conseguido, mas é certo que da mesma forma que é prazeroso apreciar a leveza de uma modelo, em passos quase inaudíveis, deslizando por uma passarela, também é gratificante ao espírito apreciar uma marcha de militares com batidas rudes e fortes dos cuturnos ao chão. Deve acontecer de igual forma na literatura, me acredito.
 
Comments:
Muito bom!
Muito bom mesmo!!
Parabéns sombra!!!
 
Bravo! Bravo!
Não sou a favor de cortes, mas esse foi imperceptível! Consegui acompanhar o texto com sentimentos iguais. Que emoção!
Perfeito para mim!
 
Já há algum tempo recebo seus recados no orkut, pedindo para que eu venha até aqui e leia seus textos... Pois bem, cá estou, e posso dizer que não perdi meu tempo.
Parabéns pela escrita, gostei bastante da alternância entre a corrida e o ato sexual. No mínimo, uma idéia interessante.
Gostaria de poder ler o original, pois não saberia dizer se o corte empobreceu ou não o texto.

Até mais.
 
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