É muito bonito o preâmbulo da Constituição da República Federativa do Brasil. Uma verdadeira pérola. Nos oferece bem uma idéia do que vem a seguir.
“NÓS, REPRESENTANTES DO POVO BRASILEIRO, REUNIDOS EM ASSEMBLÉIA NACIONAL CONSTITUINTE, PARA INSTITUIR UM ESTADO DEMOCRÁTICO, DESTINADO A ASSEGURAR O EXERCÍCIO DOS DIREITOS SOCIAIS E INDIVIDUAIS, A LIBERDADE, A SEGURANÇA, O BEM ESTAR, O DESENVOLVIMENTO, A IGUALDADE E A JUSTIÇA COMO VALORES SUPREMOS DE UMA SOCIEDADE FRATERNA, PLURALISTA E SEM PRECONCEITOS, FUNDADA NA HARMONIA SOCIAL E COMPROMETIDA NA ORDEM INTERNA E INTERNACIONAL COM A SOLUÇÃO PACÍFICA DAS CONTROVÉRSIAS, PROMULGAMOS, SOB A PROTEÇÃO DE DEUS, A SEGUINTE CONSTITUIÇÃO DA REPÚBLICA FEDERATIVA DO BRASIL”.
Minha nossa! “Sob a proteção de Deus” Não está escrito “esperando contar com a proteção...” Não. Deus autorizou direto. Deve ter dito ao falecido Ulisses Guimarães através de uma visão repentina e milagrosa: “Pode fazer que eu protejo. Depois manda os papéis para assinar”. Uma beleza. Encontro nessas poucas linhas, onze assaltos a questões lingüísticas e filosóficas. Não vou, contudo, fazer o leitor dispensar o tempo necessário para o entendimento de meus argumentos, que nem acredito serem convincentes. Entrementes, atento ao leitor que ‘controvérsia’, vocábulo citado no texto, é um debate regular sobre determinados assuntos. Significa também contestação ou polêmica. Ora, salvo crasso engano, nenhuma ‘controvérsia’ pode obrigatoriamente ser pacífica, sob o risco de se tornar ‘concordância’. Mesmo quando não aparado por forças externas, o debate de idéias pode estar ou não, longe de serem pacíficos. Talvez o preâmbulo quisesse dizer “solução pacífica dos conflitos”, mas então ( isso é bem interessante), mandar tropas armadas para o Haiti seria um ato inconstitucional. Solução pacífica absorve inteiramente a idéia da não utilização de armas, ficando por conta apenas do simples raciocínio. Estaria em desacordo com esse ‘maravilhoso’ preâmbulo, que me faz lembrar, talvez pela ignorância contida, o de Goethe, quando diz seu verso introdutório, em “Fausto”: “Apareceis de novo, sombras vaporosas.”