Lambisgóia: Foi uma pena a morte do Tancredo Neves. Acho ele teria botado esse país no eixo certo.
Matusquela: Não fala besteira, Lambe.
Lambisgóia: Esse era um bom homem.
Matusquela: Não fala asneira, pelo amor de Deus.
Lambisgóia: Um político confiável.
Matusquela: Se você continuar falando merda, eu desligo essa bosta de telefone, Lambe.
Lambisgóia: Você não gostava do Tancredo?
Matusquela: Vá por mim, era apenas mais outro patife.
Lambisgóia: Por que?
Matusquela: Porque era. Aquele jeitinho dele de santo...
Lambisgóia: Não, Matu.Eu quero saber por que eu devo ir por você?
Matusquela: Eu sei das coisas, Lambe. Procuro sempre ver o que há por debaixo do pano. Descerro a cortina. Não deixo esses malandros me enganarem facilmente.
Lambisgóia: E você acha que o Tancredo não era boa gente?
Matusquela: Um aproveitador. Um oportunista. Isso que ele era. Tente citar ao menos uma coisa boa que ele fez por essa nação.
Lambisgóia: Ora, ele foi o homem das diretas.
Matusquela: Você está doido, Lambe? Analise direito. Ele nem sequer pegou o bonde andando. Jogaram ele dentro como se joga um saco de estrume.
Lambisgóia: Como assim?
Matusquela: Estava todo mundo se movimentando. Políticos, artistas,estudantes. Todo mundo nas ruas gritando e ele lá no cantinho dele, só de mutuca. Esperando
ver no que ia dar. Sabia que no final, caso não se envolvesse tanto e o negócio desse certo poderia ser o nome de consenso, como terminou sendo.
Lambisgóia: Será?
Matusquela: Exatamente assim. O homem tinha tudo calculado. E se os militares apertassem muito, ele tinha como escapulir, desde que mantivesse uma postura
discreta no desenrolar dos acontecimentos. Mas a coisa vingou e aí precisaram de um nome que não fosse nem sal, nem açúcar. Tinha que agradar os da esquerda e os da direita. Então algum idiota observou aquele indivíduo baixinho que estava
sempre em cima do muro, e gritou: _ Vamos por aquele.
Lambisgóia: Será?
Matusquela: Isso mesmo. O baixinho era o Tancredo Neves. O nome conciliador. O elemento que podia agradar até mesmo aos militares. O sujeito que não é água nem vinho. Que não se arrisca em pelejas duvidosas. Que não toma partido. Que joga em qualquer time, desde que seja favorável a seus interesses.
Lambisgóia: Será?
Matusquela: O homem que fazia questão de acompanhar bem na frente aquelas procissões religiosas, tão comuns na época, agarrado a uma vela acesa de dois metros de altura, para dar a aparência de sujeito religioso e bonzinho.
Lambisgóia: Poxa, eu nunca o tinha visto dessa forma!
Matusquela: É preciso ver as coisas mais a fundo, Lambe.
Lambisgóia: E por que o povo ainda gosta dele até hoje?
Matusquela: Porque teve a sorte de morrer antes de assumir a presidência. Não precisou mostrar que também não valia nada. Além do mais, vem a questão do
suplício. A doença e a morte o fizeram um mártir.
Lambisgóia: Mas e o Ulisses Guimarães? O Ulisses era um bom político. Esse era.
Matusquela: Não fala merda, Lambe.
Lambisgóia: Não vai me dizer que o Ulisses também...
Matusquela: A mim não enganava.
Lambisgóia: Porra, eu já vi que pra você ninguém presta.
Matusquela: É que eu vejo por debaixo do pano.
Lambisgóia: Eu não sei que porra de pano é esse que você coloca em todo mundo, mas já tá me irritando.
Matusquela: Não se irrite, Lambe.Vá por mim que eu sei das coisas.
Lambisgóia: Sabe porra nenhuma. Sabe é acabar com o dia de qualquer um. E não quero mais papo. Você me encheu. Vou desligar.
Matusquela: Liga amanhã?
Lambisgóia: Pra que? Pra dizer que São Francisco de Assis era um espertalhão?
Matusquela: Não fique brabo, amigo, mas ele também tinha seus defeitos.
Lambisgóia: Ah, vá se fuder, Matu! Vou desligar.